A figura do Baphomet como conhecemos hoje, na realidade, se faz distante
do que realmente fora o Baphomet na
época dos Cavaleiros Templários. Precisamos primeiramente separar as histórias
e os símbolos que estão envolvidos com esse nome tão temido pela maioria, mas
sem justificativa, já que esse medo se deve ao desconhecimento da figura em
questão e de sua história. Já não é de hoje que certas religiões tendem a
“demonizar” deuses, entidades e símbolos de outras religiões e doutrinas. Não
foi diferente no caso da figura alegórica do Baphomet.
Como bem sabemos, alegoria se deve – no geral - à criação simbólica de uma
imagem, história ou canto que tem por finalidade “enxugar” ou simplificar algo
muito amplo, ou uma tentativa de tornar algo muito hermético em uma coisa mais
clara de se entender para o público mais geral, tal quais as famosas alegorias
de Platão nos livros da República dedicados à teoria do conhecimento. A figura
do Baphomet é também uma alegoria, criada primeiramente pelos Cavaleiros
Templários, e muito posteriormente modificada e transformada no Bode de Mendes
pelo ocultista e filósofo Eliphas Levi.
Antes de tudo, devemos deixar bem claro que a história até hoje não nos
deixou nada de muito concreto no que diz respeito a pesquisas em relação ao
culto templário, deixando o assunto obscuro e soterrado por diversas teorias da
conspiração. Mas podemos dizer que em primeiro lugar temos o Baphomet como
figura cultuada pelos Cavaleiros Templários, extintos no século XIV a mando do
Papa Clemente V e pelo rei da França Felipe IV, mais conhecido como Felipe, o
Belo. O processo de inquisição contra a Ordem dos Cavaleiros Templários (A
Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo) só termina com a morte de seu último
integrante, o Grão-Mestre da ordem Jacques De Moley. Dentre os motivos dados
para tal processo estavam a recusa de sacramentos, negação de Cristo, práticas
de sodomia e veneração a uma entidade maléfica de três cabeças, isto é, o
Baphomet. Claro que na época o nome Baphomet ainda não era empregado, esse
termo – acredita-se - foi surgir somente no século XIX, pelo arqueólogo Barão Joseph Von Hammer-Pürgstall, simpatizante da
causa templária.
Mas essa figura de três cabeças talvez cultuada de
alguma forma pelos templários não é o nosso foco, e sim o Baphomet conhecido
por Bode de Mendes (ou Bode do Sabá) criado por Eliphas Levi, no intuito de sintetizar
os principais aspectos do conhecimento atribuído pela ciência oculta. Foi em
sua obra “Dogma e Ritual de Alta Magia” que Eliphas Levi apresentou todo o
processo do aprendizado mágico, a utilização da cabala como ferramenta principal
de toda cultura esotérica ocidental e a figura do Bode de Mendes como síntese
dos segredos e conhecimentos obtidos por meio do ocultismo e da magia, ou seja,
o homem realizado.
Comecemos então a análise da figura do Baphomet. Em
primeiro lugar, é possível extrair muitos elementos ligados ao aspecto Ontológico na figura. Toda a
representação do Baphomet é composta pela dualidade das coisas. A começar pelos
braços e mãos, uma voltada pra cima, apontando a Lua branca de Chesed (a
Sephiroth correspondente a Misericórdia na Árvore da Vida) e outra voltada para
baixo, apontando a Lua Negra de Geburah (a Sephiroth correspondente a Justiça).
O braço voltado para cima é feminino, e o outro é masculino. No braço voltado
para cima, encontra-se a palavra “Solve”, e no outro a palavra “Coagula”, uma
menção clara à frase alquímica “Solve et Coagula”, que significa “Dissolver e
Juntar” ou “Separar e Unir”. O caduceu hermético no lugar do falo masculino e
os seios femininos, isto é, os dois símbolos provedores da vida, e o caduceu
representando a moral e a inteligência, ou mesmo a utilização da potencialidade
da energia kundalini para transformar a Potência em Ato, o eterno movimento
cósmico. As mãos postas com a simbologia mágica da Tábua Esmeralda hermética em
referência a frase: “O que está embaixo é como o que está em cima e o que está
em cima é como o que está embaixo”. Abaixo do bode, temos a esfera rotunda do
conhecimento misturada na escuridão, ao mesmo tempo em que a cima do bode temos
o facho da inteligência, isto é, a luz do conhecimento universal, que ilumina a
mente dos homens e faz com que conheçamos a verdade sagrada. E finalmente temos
o abdome coberto por escamas, representando o elemento água, ou o lado
sentimental e mais revolto do ser, enquanto as asas negras do corvo representam
a sutileza do elemento ar ou mesmo o volátil químico, isto é, a rápida
“evaporação” daquilo que não faz parte do sagrado, ou ainda aquilo que é
material e ilusório.
Todas essas dualidades que são representadas no
Baphomet, têm por objetivo principal resguardar o verdadeiro mistério por trás
dessa figura: a relação do Bem e do Mal. Na magia não há a distinção de bom e
mal medidos por uma ética religiosa comum. O Bem e o Mal estão no âmbito
ilusório, da ignorância, ou seja, para atingir a verdade sagrada é preciso que
essa distinção seja diluída pela luz da sabedoria, de forma que os dois
conceitos se misturem, porque só assim a verdade pode ser tocada. A ideia de
Deus e Diabo fica suspensa aqui, tendo mais importância o autoconhecimento do
homem do que a adoração de algum Ser externo, sendo ele Deus, Diabo ou qualquer
outro. Pode-se dizer então que a relação entre o absoluto e o relativo está no
autoconhecimento livre de crenças externas e ilusórias.
A cabeça de bode faz menção não só aos cultos de origem
druida e grega à fertilidade, mas também fora escolhida por dois outros
motivos. Nos sistemas mágicos o bode representa o contrário da ovelha. Enquanto
a ovelha representa a passividade e a paz de espírito, o bode representa o
aspecto negativo da existência. Ao mesmo passo que a cabeça de bode torna-se
horrenda atrelada ao corpo humanoide. A cabeça de bode represente o horror do
pecado sofrido pelo homem, pecado este que é culpa somente do agente material.
A alma por sua vez é neutra e impassível naturalmente, e chega a sofrer as
consequências do pecado e da corrupção no momento em que se materializa. Aqui
começamos enxergar os aspectos Antropológicos
da imagem, isto é, as condições básicas do ser humano.
A título de exemplo, vemos no catolicismo o pecado
original como condição básica do ser humano, tal qual a determinação cósmica
para algumas religiões orientais. Na Alta Magia o homem precisa lhe dar com o
fato de estar aprisionado à matéria e entender que o sofrimento não faz parte
da sua natureza, mas este se faz presente ao passo que não conseguimos nos
distanciar da ignorância comum. Mas esse movimento não é definitivo. Precisamos
nos encontrar em constante metamorfose, pois a permanência não faz parte da
lógica natural, a durabilidade não é natural.
O princípio da transmutação da natureza humana por meio
do verdadeiro conhecimento das coisas. Na alquimia, o chumbo representaria a
ignorância das coisas sagradas, ou seja, o homem ignorante e profano. O homem,
portanto, deve dissolver as concepções tradicionais e os conceitos do
senso-comum, para que depois, enxergando como as coisas funcionam e entendendo
melhor a realidade, ele junte os cacos que restaram dos conhecimentos obsoletos
e passe a reconstruir tudo do zero, resultando assim no ouro, elemento que
representa o Sol, o deus Apolo, a sabedoria. Seria essa então a condição básica
do homem na Alta Magia, a mudança, o movimento.
Por fim, chegamos ao símbolo da estrela de cinco
pontas, cabalisticamente conhecido como Pentagrama. Vulgarmente, esse símbolo é
considerado a representação dos quatro elementos materiais – terra, água, ar e
fogo – e o quinto elemento, sendo ele etéreo, isto é, o espírito, ou éter. Mas na prática da mágica, tanto da Alta Magia
quanto das magickas de cunho thelêmico ou posterior, o pentagrama representa
não só os cinco elementos, mas a cima de tudo representa todo o microcosmo. A
estrela de seis pontas, conhecida por “Estrela de Salomão”, é na realidade a
sobreposição das duas trindades, uma de polo negativo e outra de polo positivo,
representando o macrocosmo, isto é, possuindo uma visão mais geral da
realidade. Já o Pentagrama possui uma métrica mais perfeita e complexa, desse
modo tornando-se mais poderoso à medida que o iniciado na magia o entende de
forma correta. O conhecimento do símbolo não basta, é preciso entendimento. O
entendimento se dá por meio da evolução de nossos órgãos provedores dos sentidos,
que por sua vez, devem ser trabalhados para que consigam tocar o plano etéreo.
Resumidamente falando, o pentagrama não se encontra postado na testa do bode,
mas sim no seu “terceiro olho”. Portanto, está representado no Baphomet o
conhecimento pleno do pentagrama e de tudo o que ele representa.
É difícil expormos todos os conceitos envolvidos na
figura do pentagrama, já que seu conhecimento está ligado à prática da magia e
do autoconhecimento do iniciado. É um conhecimento muito pessoal. Mas de forma
geral, pode-se dizer que a figura do pentagrama está ligada de certa forma à
ideia de salvação. Aqui podemos então apontar a questão da Soteriologia representada no Baphomet.
Na magia, a salvação está ligada à ideia de
conhecimento de si e do mundo natural por meio dos sistemas mágicos extraídos
de diversas religiões, filosofias e ciências. Na magia mescla-se a Cabala, a
Alquimia, o Ocultismo, práticas medicinais antigas, Yoga, técnicas de invocação
entre outras práticas antigas absorvidas pela cultura ocidental medieval e
relidas nos dias de hoje. Por isso o Pentagrama é o símbolo mais importante
para o mago, pois nele estão contidas todas as informações necessárias para o
conhecimento oculto. O Pentagrama é o símbolo que expressa o domínio da Alma
sobre a matéria e os elementos que a compõe. Ao final de tudo, a ideia é que o
homem, por meio do sistema mágico atinja um grau de conhecimento e controle de
si e da natureza que possibilite que ele manipule a natureza e tenha o poder de
criar. “Para o mago falar é criar”.
Para finalizar, deixarei um pequeno trecho da obra
“Dogma e Ritual de Alta Magia” onde Eliphas Levi resume bem a visão de mundo a
partir da magia. E que partir de agora olhando para a figura do Baphomet
possamos entender a extensão e profundidade do seu significado:
“Não há mundo invisível. Há apenas
muitos graus de perfeição nos órgãos. O corpo é a representação grosseira e
como se fosse a casca transitória da alma. A alma pode perceber por si mesma, sem
a intermediação dos órgãos corporais por meio de sua sensibilidade e de seu
diáfano, as coisas corporais e espirituais que existem no Universo.”